Não é raro acontecer furtos e danos em veículos estacionados dentro de um condomínio. Além de todo o prejuízo e transtorno surge então uma dúvida: como fica a responsabilidade civil do condomínio nesses casos?
Se você é síndico ou vive/trabalha em um condomínio pode ser interessante saber a resposta. Então, pensando nisso, elaboramos este novo artigo.
Acompanhe e boa leitura!
A responsabilidade civil do condomínio
A responsabilidade civil do condomínio é um assunto muito debatido e claro, como qualquer relação envolvendo muitas pessoas, gera inúmeros conflitos entre as partes.
E quando se fala nesse assunto, uma questão que traz muitas dúvidas é: o condomínio deverá se responsabilizar por furtos e danos causados a um veículo estacionado na garagem? Os condôminos devem dividir os custos de algum dano que tenha ocorrido no veículo de outro condômino?
A verdade é que a legislação condominial nada diz sobre a responsabilidade civil, cabendo aos tribunais resolver a questão.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o assunto em inúmeras oportunidades, dispondo que para existir a responsabilidade dos condomínios por fatos ilícitos que ocorram com os condôminos, deve haver na convenção do condomínio de forma clara e expressa a assunção dessa responsabilidade pelos mesmos.
Assim, em caso de danos a veículos estacionados nas áreas comuns, o condomínio e os demais condôminos somente serão compelidos a arcar com os danos sofridos pelo condômino em caso de existência expressa de uma cláusula com essa previsão na convenção do condomínio.
Natureza comunitária da relação
A justificativa para tal entendimento está na natureza comunitária e no caráter não lucrativo do condomínio. Assim, não há que se pensar em responsabilizar as pessoas que não tenham qualquer envolvimento com o fato danoso e com os danos sofridos pelo condômino, exceto em caso de aceitação expressa dos condôminos após ciência dessa responsabilidade e da possibilidade de socialização do prejuízo.
Sem essa concordância, algumas pessoas sairiam prejudicadas e outras beneficiadas nessa divisão dos prejuízos. Em todo condomínio temos pessoas que possuem veículos populares, ou até mesmo nenhum veículo e essas poderiam ser responsabilizados por danos ocorridos em carros de luxo de outros condôminos. Ou seja, seria algo injusto e desproporcional a imposição dessa divisão de responsabilidades.
Assim, não existindo cláusula na convenção do condomínio em que haja a previsão clara e expressa de repassar essa responsabilidade para o condomínio a fim de que ele se responsabilize pela guarda e vigilância dos bens ali dispostos, não há qualquer possibilidade de responsabilização do mesmo por eventuais furtos e danos causados aos veículos nas áreas comuns.
É possível ainda, que a própria convenção condominial exclua, de forma expressa, a responsabilidade do condomínio, ficando assim estabelecida como indevida qualquer indenização pelo condomínio em virtude de furtos ou danos sofridos por veículos estacionados na garagem do edifício.
Caso exista a cláusula de não indenizar, não há como impor a responsabilidade do condomínio, mesmo que exista todo um aparato de segurança e vigilância, que não tem o poder de desqualificar a regra pactuada livremente pelos condôminos.
Exceções
É claro, existem exceções e, em alguns casos, o condomínio pode sim ser responsabilizados por furtos e danos em veículos em seu interior. Como exemplos de exceções, podemos citar:
- Danos e furtos realizados por preposto do condomínio (manobrista, garagista, vigia, etc);
- Queda de objeto de responsabilidade do condomínio sobre o veículo do condômino (flores, telha, reboco descolando etc.);
- Situação recorrente e sem tomada de posição por exclusiva culpa do condomínio para evitá-la, tais como instalação de câmeras de segurança, contratação de vigilante etc.
Convém também destacar aqui que, caso o dano seja causado por um condômino a outro, como por exemplo no caso de uma batida ocorrida dentro do condomínio, o condomínio não tem qualquer responsabilidade, sendo a obrigação de reparar do responsável pelo dano.
A existência de guarda e vigilância no condomínio
Muito se questiona também se existiria mudança no entendimento se houver no condomínio sistema de segurança.
Com efeito, a utilização de modernos sistemas de segurança e a contratação de guardas particulares ou de empresas de vigilância e segurança armada, dá uma outra feição à responsabilidade dos condomínios. Isso se deve porque as despesas para a compra e a utilização de bens e equipamentos de segurança (circuito fechado de câmeras e TV, sistemas de gravação de imagens em tempo real e botões anti pânico), bem como para a contratação de serviços de ronda, vigilância e segurança armada, são todas pagas pelos condôminos, com o objetivo de manter a integridade de seus bens.
Porém, mesmo nesses casos, é necessária a expressa previsão na convenção ou no regimento interno de que o condomínio tenha serviço de guarda e vigilância de veículos.
E mais, o simples fato de haver porteiro ou vigia na guarita, cerca elétrica e câmera de segurança ou de haver contratado empresa para prestação de serviços de zeladoria não significa que o condomínio assumiu, de forma tácita, obrigação de guarda dos bens dos condôminos e não afasta a cláusula de exclusão prevista em convenção
Conclusão
Como se pode perceber, a responsabilidade civil do condomínio é um assunto que não tem muito mistério e reforça a importância de uma convenção de condomínio bem pensada e elaborada.
No entanto, é sempre recomendado, diante de um caso concreto de furtos e danos de veículos dentro de um condomínio, consultar um advogado. Afinal, existem exceções e detalhes que só um profissional especializado é capaz de perceber.
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Jurisprudência
INCUMBÊNCIA DE GUARDAR E VIGIAR OS VEÍCULOS – ENCARGO DE PROMOVER VIGILÂNCIA, COMETIDO AO SÍNDICO, EM CARÁTER GENÉRICO, QUE HAVERÁ DE SER EXERCIDO EM SINTONIA COM OS MEIOS POSTOS À SUA DISPOSIÇÃO, PELO ORÇAMENTO DE RECEITAS – INEXISTÊNCIA DE APARATO ESPECÍFICO DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA – SUBTRAÇÃO, ADEMAIS, QUE TERIA SIDO COMETIDA, COM AMEAÇA A MÃO ARMADA – NÃO CONFIGURAÇÃO DE CULPA IN VIGILANDO– RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. – Ao contrário da posição adotada pela Corte de origem, mostra-se relevante a necessidade expressa previsão na convenção ou, ainda, de deliberação tomada em assembleia no sentido de que o condomínio tenha, especificamente, serviço de guarda e vigilância de veículos. In casu, a circunstância de existir porteiro ou vigia na guarita não resulta em que o condomínio estaria a assumir a prefalada guarda e vigilância dos automóveis, que se encontram estacionados na área comum, a ponto de incidir em responsabilidade por eventuais subtrações ou danos perpetrados. – Em harmonia com os precedentes desta Corte Superior, bem como com lições doutrinárias, merece acolhida o inconformismo, a repercutir na inversão do ônus da sucumbência. – Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 618.533/SP, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 4/6/2007).
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – FURTO EM UNIDADE CONDOMINIAL – PREVISÃO EXPRESSA DE AUSÊNCIA DE RESPONSABILIZAÇÃO NA CONVENÇÃO – INDENIZAÇÃO AFASTADA – RECURSO IMPROVIDO. Estabelecendo a Convenção/Regulamento cláusula de não indenizar, não há como impor a responsabilidade do condomínio por furtos ocorridos no seu interior, ainda que exista esquema de segurança e vigilância, porque não desqualifica a força da regra livremente pactuada pelos condôminos. (APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0024.09.760305-4/001, Relator Des. Rogério Medeiros, DJ 29/05/2014).
Responsabilidade civil. Indenização por dano moral e material. Furto em loteamento fechado. Estatutos da associação de moradores não fixam a obrigação de indenizar eventual dano ao patrimônio. A mera existência de portaria e controle de pessoas não constitui fator capaz de gerar direito de reparação por atos ilícitos praticados por terceiros. Ausência de imputação de culpa à ré. Recurso da ré provido, prejudicado o recurso adesivo interposto pelo autor. (Apelação Cível n. 0274535-04.2009.8.26.0000, TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Coelho Mendes, j. em 30.07.2013).
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – CONDOMÍNIO – FURTO DE VEÍCULO OCORRIDO EM GARAGEM DE EDIFÍCIO – I. Consolidada na jurisprudência do STJ a orientação segundo a qual o condomínio de apartamentos é responsável por ato de seu preposto que causa dano a condômino, sobretudo quando deixa de exercer a devida vigilância. II. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence (art. 1.266, 1ª parte, Código Civil). Se ela se danifica ou é furtada, responde aquele pelos prejuízos causados ao depositante, por ter agido com culpa in vigilando. (STJ – REsp 26.458-7 – SP – Rel. Min. Waldemar Zveiter –DJU 03.11.2009).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. CONDOMÍNIO – EX-SÍNDICO – DANO MATERIAL – IRREGULARIDADES NA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO. CONFIRMAÇÃO – DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Nos termos da legislação civil é dever do síndico proceder à gestão consciente dos recursos do condomínio administrado, exegese do artigo 1.348, incisos VI e VIII do CC/02. 2. Assim, evidenciada irregularidade nas contas de condomínio residencial, decorrentes da má gestão e malversação de verbas pelo síndico, configura-se prejuízos aos condôminos, ensejador de ressarcimento ao condomínio lesado, impondo-se a manutenção da sentença que reconheceu o dever de indenizar. 3. Recurso conhecido e desprovido (Apelação Cível nº 0037027-86.2016.8.07.0001, TJDF, Rel. Des. Dr. Robson Barbosa de Azevedo, 5ª Turma Cível, DJ 17/10/2017).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO SÍNDICO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADAS. Restou incontroverso que o Réu locou área comum do Condomínio sem previamente convocar Assembleia e sem anuência dos condôminos, recebeu valor e depositou em sua conta corrente pessoal, sem prestar contas ao Condomínio. Comprovação do ato ilícito, dano e nexo causal. Comprovação de depósito parcial do débito na conta corrente do Condomínio, valor este que deve ser descontado da condenação. Parcial provimento do Apelo. (Apelação Cível nº 0406559-46.2013.8.19.0001, TJRJ, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Dr. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, DJ 14/12/2017).
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO SÍNDICO. IRREGULARIDADE NA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO. DEVER DE RESSARCIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Aquele que administra bens ou interesses alheios tem o dever de prestar contas de sua gestão em favor de quem se deu a referida administração. 2 É ônus do Réu provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do Autor, conforme artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil. 3. Não demonstrando o demandado (ex-síndico) que executou os serviços contratados conforme as notas fiscais, bem como restando caracterizado que não obedeceu às normas legais e da convenção de condomínio, deve ser responsabilizado pessoalmente pelas irregularidades na administração dos recursos do condomínio. 4. Recurso conhecido e desprovido. (Apelação Cível nº 2013.0111009823, TJDF, 5ª Turma Cível, Rel. Des. Dr. Sandoval Oliveira, DJ 14/09/2015).